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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Escolhendo a hora para morrer.

Era um dia lindo e ensolarado. Na serra, onde ficava a propriedade, estava uma temperatura agradável. Ela estava só, sua “assistente” chegaria à tarde. Seu marido Carlo tinha saído bem cedo, hoje era dia de audiências. Seu querido nem se despedira, ela ainda dormia, ele só retornaria no dia seguinte, pois tudo estava bem. 
Acordou no horário de sempre, às 7 horas. Estava fazendo seu desjejum. Hoje, diferente dos outros dias, estava faminta. O telefone toca na sala de estar. Corre para atender, pensando que era o Carlo. Enganou-se. Mas, seu dia iria se transformar... 
A notícia que chegava por aquele telefonema, era péssima e muito estarrecedora. Alberto, filho de uma tia, seu primo, lhe comunicava que seu querido irmão Roberto tinha falecido. Ele tinha se suicidado. Ficou paralisada ouvindo os detalhes. Alberto lamentava muito. O Roberto era o irmão caçula e morava em outro estado. O Alberto era médico e também morava em Cuiabá. Visitava seu irmão quase todos os dias, eram muito amigos e tinham a mesma idade.
Ficou desnorteada, como não percebeu que seu mano estava tão mal? Trocavam e-mails quase que diariamente. Ele tinha trinta e cinco anos e naquele momento sua alma sofreu, sofreu... Atordoada, ela se sentiu mal e voltou para seu quarto. Começou a chorar baixinho. Sua depressão voltara e se apossara dela integralmente. Então, os pensamentos sombrios tomam conta do seu espírito.
Só e muito angustiada com tamanha perda, se perguntava: 
- este ato é de coragem ou de covardia? Roberto estava se tratando, era viciado em drogas e bebidas. Mas, já fazia um ano que estava sóbrio. Alberto havia comentado que um namoro desfeito fora a causa da possível recaída e do ato insano. Ele não queria voltar para as drogas, acabou tomando todos seus remédios de uma só vez, o que ocasionou uma overdose de medicamentos, levando ao óbito. Aquilo, a medicação, que deveria salvá-lo, fora a causa da sua precoce morte. Uma ironia ou alerta do destino?
Bem que dizem que remédios controlados podem ocasionar acidentes. E, estando nas mãos de pessoas instáveis, ocasionam desgraças. As drogas médicas podem se transformar, talvez, num convite ou chamado da morte, para aqueles que sofrem de distúrbios físicos, mentais ou emocionais. 
Então, sozinha, no seu leito, começou a divagar... 
Coincidências chamavam sua atenção. E, agora, elas estavam acontecendo. Ela estava lendo Jung, sobre sua tese do “inconsciente coletivo”. Seria um sinal ou um aviso? Por que, nestes dias, estava, também, lendo sobre o suicídio? Esta morte, dessa maneira estúpida, estava lhe consumindo. Desafiava-a, era agora, uma necessidade buscar mais respostas. Ela queria e precisava entender. 
O mais instigante para ela, o que realmente lhe impressionava, eram estas coincidências. Pois o tema, suicídio, já era do seu interesse. Há vários meses pesquisava este assunto. Ela temia estas coincidências, pois parecia um código do mal implorando para ser decifrado. E, o resultado do enigma, poderia ser fonte de novas tristezas e desgraças.. Ela estava entrando num estado emocional negativo e pessimista.
Um dia antes deste telefonema, tinha recebido a visita da sua amiga Karen. Seu marido idoso, com mais de oitenta anos tinha saltado do prédio, do 10° andar , onde residia, em junho do ano passado. A amiga ainda não tinha se recuperado dessa perda. Sofria por ele ter cometido este terrível ato. Ela a consolara, dizendo: ele estava doente, fora escolha dele e não dela perpetuar essa insensatez, não devia sentir-se culpada de nada.
Eram, agora, dois suicídios a pensar. O Roberto com trinta e cinco anos e o marido da sua amiga com oitenta e cinco anos. Também, lhe viera à lembrança o suicídio do seu querido primo e amigo Ivan, em 1990. Ele tinha trinta anos (não deixou bilhete algum). Este ela adorava. Era o seu companheiro de festas e tinham a mesma idade. Ele era depressivo, fora vencido por uma perda amorosa somada a problemas financeiros. No jogo da vida, um momento difícil, só um instante, mais uma pequena arma de fogo lhe fora fatal, a morte sombria o venceu, o jogo acabara para ele.
Vocês sabiam que a cada quarenta segundos uma pessoa se suicida no mundo? Não se comenta isso, porque, este auto-extermínio estarrece e incomoda muito. O silêncio é mais conveniente para as consciências. Também as estatísticas confirmam que, pessoas bipolares ou esquizofrênicas (hoje muito comum em nossa sociedade), vivem sob o risco de suicídio, com uma taxa de mortalidade 2-3 vezes maior que da população em geral.
Ela estava, também, lendo a biografia de Freud, para sanear a sua curiosidade. Vários amigos ou conhecidos do famoso psicanalista também tinham se suicidado. Logicamente a época era outra e alguns dos amigos eram judeus também, fugiam das perseguições nazistas. Por exemplo: o famoso escritor alemão Stephan Zweig que, em fuga, veio para o Brasil. Ele suicidou-se em Petrópolis junto com a esposa Lote em 1942. Muitos acontecimentos horríveis e torturantes daquele momento insano da nossa civilização roubaram as esperanças deles, muito deprimidos, optaram por essa solução radical.
A conclusão que se pode tirar neste caso pode ser: determinadas pessoas, mesmo sadias, fortes, inteligentes e sábias em épocas harmoniosas e sem conflitos, não conseguem superar tempos difíceis. Perdem a confiança na humanidade e perdem a confiança em si para vencer possíveis adversidades ou torturas, sejam físicas ou psicológicas. Nestes casos, a pulsão da vida é vencida pela pulsão da morte. Isso não quer dizer que não estavam certos, os contemporâneos de Freud, pois, se fossem aprisionados, dificilmente escapariam da morte. Será que, a decisão de se exterminarem, naquele momento, no caso deles, terá sido até racional? Eles eram intelectuais e pensadores? Uma resposta pode ser: eles eram humanos... Ou seria muita loucura pensar assim?
Também, na nossa História, temos o caso do suicídio de Getúlio Vargas. Diante de tantas denúncias e acusações de corrupções, sem defesa e envergonhado por sua omissão, preferiu “deixar a vida para permanecer na História”. Deixou esta frase escrita em sua famosa carta de despedida. Com esse ato extremado até conseguiu evitar o golpe militar que se preparava para aquele momento. Proporcionou mais dez anos de democracia para o nosso Brasil. Mas, coitado, achou que precisava se exterminar para um bem maior acontecer? Nesse caso a irracionalidade saiu vitoriosa. As circunstâncias adversas aconteceram por atos do próprio governante e não por causas externas como uma guerra mundial. 
Ela continua nas suas recordações... , teve o caso do escritor Hemingway, amigo de Freud. Era bipolar (variação de humor e comportamento, depressivo / maníaco) e num momento de depressão profunda, colocou uma espingarda na boca e matou-se. Mas o dramático, neste caso, é que o pai, uma irmã e um irmão do escritor também tinham cometido suicídio. E, mais recentemente (1996) noticiou-se que sua neta Margaux, que era atriz, com apenas trinta e cinco anos, também se suicidou num momento de depressão e no mesmo dia do avô famoso, dois de julho. Cinco mortes por suicídio em três gerações, isso deve ser genético mesmo. Neste caso, pode-se concluir que: membros de famílias com desesperança, melancolia e desespero, a configuração da bipolaridade ou esquizofrenia, estes podem praticar suicídios freqüentes. Mas, o que dizer das pessoas consideradas sadias? Aquelas, sem problemas mentais, que se exterminam? Tudo é importante nesta divagação /reflexão... 
Dizem que o suicida costuma sinalizar seu desespero ao ambiente onde vive. A captação disso pelos seus pares é difícil e complexa, nem sempre decodificada. A pergunta que pode ficar é : por que as pessoas se exterminam? 
As respostas devem ser inúmeras e variadas. Isso lhe remete ao sofrimento dos que ficam neste mundo, os que sofrem essas perdas.
Ela sabe bem que a dor e o sofrimento não se apagam nunca. Estes perduram para sempre naqueles parentes ou amigos que permanecem por aqui. Viveu e vive essa experiência. Não percebera o desespero, no caso do seu primo Ivan, e, agora, o seu querido Roberto. 
Será que quem se mata pensa nisso? Será que pensa naqueles que ficam? Estava aflita, buscando uma resposta, para acalmar esta sua angústia.
Pensa: acho que vai depender de uma possível explicação dessa atitude tão radical? Mas, este raciocínio ou esta conclusão podem complicar mais qualquer resposta oferecida. Por exemplo: como se irá saber dos motivos deste ato tão extremo se o perpetuador do próprio extermínio, não deixa uma explicação?
Ela continua pensando: pode-se refletir por dois caminhos para resolver a questão proposta.
O primeiro é na direção daqueles que não deixam nada escrito. Eles, talvez, se matem num momento de desespero e poderiam ter sido impedidos se alguém estivesse com eles nestes instantes insanos. Também, seria bom, observar sempre o comportamento dos entes queridos e amigos queridos, eles sinalizam quando estão entrando em sofrimento e desespero. Mas, nestes tempos modernos, os interesses estão voltados para mil coisas, em detrimento à atenção aos entes queridos, e seus semelhantes. A conscientização disso deve acontecer antes de tragédias, como o suicídio, se efetivarem. Talvez, não se possa evitar tal infortúnio, mas a consciência dos que ficam, estará mais aliviada. Quando passar o luto, só restarão às doces lembranças daqueles que partiram e não a dor profunda e interminável, que renasce a qualquer momento, de quem se sente culpado, mesmo não o sendo.
A segunda opção é válida para os suicidas que deixam a explicação do seu ato. Eles têm a certeza que nada iria impedi-los. Quem sabe poderiam, só desmarcar o dia da fatalidade. Poderiam ser convencidos a não cometer essa ação tão extremada naquele determinado momento. Eles se mostrariam calmos e tranqüilos. Diriam estar curados desta insanidade que é se auto-exterminar. Mas, suas promessas seriam falsas, pois, mais dia menos dia teriam de fazer o que se propuseram. Os motivos desta atitude nunca os deixariam continuar vivos. A pulsão da morte os seduziu e apossou-se deles. Sabe-se que para esta rival, a ceifeira, a frágil vida sempre acaba perdendo. Isso funciona mais rápido para doentes terminais e suicidas. Porque eles sofrem e desejam muito morrer. A enigmática morte se mostra para eles todos os dias...
O ser humano existe sabendo que é mortal. A vida é uma faísca que irá se apagar depois que o incêndio provocado por ela se extinguir também. Não se pode desfazer essa verdade, essa certeza. 
E ela , continua , divagando: precisamos e devemos morrer. 
Sabe-se que muitas pessoas, depois de um tempo de vida, não conseguem celebrá-la, tampouco, amá-la. Tristes, descobrem a única certeza dos viventes: que voltarão para a eternidade de onde vieram. Resolvem, prontamente, acelerar essa viagem. Única rebeldia com a morte. Eles escolhem irem ao seu encontro, em vez de ficarem esperando-a. É a maneira que encontram de aliviar o espírito da angústia dessa loucura que os sufoca: sua obsessão com a morte ou sua frustração e desamor pela vida.
Mas, o que aterroriza é o desconhecido que a morte representa para ela. O que lhe é estranho sempre assusta no começo, só a acalma, quando se torna familiar. Com o suicídio, pensa, esta lógica deve ser a mesma. Pena que ninguém voltou para contar como é viver esta experiência pós-extinção: vida no além. 
Ela continua a divagação...
Olha no relógio: é meio-dia. Sua enfermeira ainda não chegara. Está cansada, triste e amargurada. A depressão se apossara dela. Hoje, sente-se com coragem e está decidida. Espera que os seus queridos entendam e lhe perdoem por esta longa mensagem. Está super fatigada, mas ainda raciocinando bem. Diante da sua nova situação (doença terminal, degenerativa), como o sábio grego Sócrates, prefere ir para o Hades reencontrar aqueles a quem admira e ama também. Fará essa viagem, agora, enquanto domina suas faculdades e não é, ainda, um peso morto para a família.
Quer poupá-los desse sofrimento de lhe verem definhar. Ela quer e deseja o perdão pela tristeza que sua determinação vai lhes causar. Mas, fica pensando:
- consolem-se meus amados. Saibam que a vida é só um empréstimo e o pagamento é obrigatório, não existe outra opção.
Continua, agora, sussurrando para si própria:
- Minhas cartelas de medicamentos estão se oferecendo para mim, como se fossem uma refeição deliciosa e saborosa. Um manjar convidativo e sedutor. Vou saldar minha dívida. Tive uma vida muito feliz. Porque, sempre que busquei a felicidade eu a encontrei. Mas, a ocasião é propícia, escolho minha hora de morrer, devo aproveitar, chegou o momento certo. Fiquem tranqüilos, não irei só, vou tentar alcançar o querido mano Roberto... 


ALICE LUCONI NASSIF


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